Doi-me a garganta.
De tanto escrever,
De tanto me cortar no papel,
De tanto achar que é pela dor que tenho respostas.

Doi-me a garganta.
De tanto olhar para a folha vazia,
De tanto saber cantá-la sem a sujar,
De tanto achar que é na loucura que tenho respostas.

Doi-me a garganta.
De tanto me enclausurar,
De tanto pensar na tinta gasta,
De tanto achar que é sozinho que tenho respostas.

Dói-me a garganta.
De tanto perguntar às paredes,
De tanto me ouvir de volta,
De não ser em mim que procuro as respostas.


1
Aqui há mar
Nem p’ra todos dá p’ra nadar.
Aqui não há ar
Nem pr’a quem sofreu p’ra respirar.

2
Ai, o que nos deu?
Plantar algodão com sangue quente.
Ai, o que nos deu?
P’ra rezar ao ouro em troco de gente.

Ai, o que nos deu?
Pr’a tirar as mantas a quem tinha frio.
Ai, o que nos deu?
P’ra comer do prato que alguém esculpiu.

Ai, o que nos deu?
P’ra ditar do mar terreno fértil.
Ai, o que nos deu?
P’ra construir um lar com a mão mais útil.

E agora o que nos deu?
P’ra criar um mundo com este ar.
E agora o que nos deu?
P’ra escolher quem pode respirar.

3
Agora arde a rua,
Que vai da esquadra à Lua - 
Trilhada no mar que soubemos navegar,
E que entregamos ao fogo para o apagar. 











Tenho saudades de todos vocês
Que conheço e não conheço
De sentir que um abraço é precipitado

E que as saudades não fazem sentido, 
De dizer adeus sem dizer que tenho medo
E de me fechar a sós sem estar sozinho. 
De contar até três sem esperar nada
E de que um dia novo não seja notícia. 
De me esticar alcoolizado
E de acordar arrependido. 
De sair sem saber voltar
E de voltar sem querer sair.




Não sei o que fez o Universo suspirar,
Mas levantou vendavais com a sua desilusão,
Fez dos nossos erros tempestade.
E mandou-nos a todos para casa.

Para casa de castigo,
Para casa para pensar,
Para casa procurar
A nossa razão p’ra aqui estar.

Para casa isolar,
Para casa sonhar,
Para casa reconciliar.
Para casa conhecer a nossa casa.

Para casa só estar,
Para casa antecipar.
Para casa ganhar tempo
No nosso amor tóxico com o planeta.

Para casa perceber,
Que somos mais fortes quando abraçamos.
Agora só o fazemos quando fechamos os olhos.
Mas quem sabe já não andávamos às cegas pelas ruas?

Castigados por sermos humanos,
Confortáveis lá longe da perfeição,
Num lugar alto onde julgamos saber tudo,
Até ouvirmos o universo suspirar.



1
Sem saber saiu cá para fora,
Agora sente frio e chora,
Onde a procura se demora
E para o amor não há hora.





















1
De tanto querer beber a poção
Para pôr glória no seu coração
A vida fez veneno pouco são.

Tomou-o como se fosse sumo,
Criou moda com o seu consumo
E assim se formou este fumo.

2
Uma triste cortina espessa
Deixou a nossa raça submersa
Por querer o futuro depressa.

Ao início por não saber bem,
Mais tarde, vestido só de desdém.
Cego naquilo que mais lhe convém.

Sem esconder roubava futuros,
Escondidos em metais escuros
Unidos em máquinas e muros.

Quis-se esperguiçar por mil cantos,
Tapar o mundo noutros mil mantos,
Para propagar os seus encantos.

3
De pequeno se criou por vício
Lá nascido sem fim nem início,
Entre equinócio e solstício.

Deu voz ao motor do seu luto
E nele acendeu o charuto.
Assim se incendiou o mundo.


1
Quando nasceu, a guerra não chorou,
Num ventre maltratado fecundou,
Do orgulho e da dor se formou.

Ela tinha o nome da vida
E sangue na boca tão mordida
Por nascer da raiva tão contida.

2
Incendiou cidades por frio,
Pa que gelo se fizesse rio
No coração humano que viu.

Mesmo cruel, matava por amor,
Traía a vida só por louvor
À volta da cruz num altar de dor.

Construíu estátuas por crença,
Usando sangue como ciência;
Acusando livres de demência.

Chegava sempre naturalmente,
E nunca muito discretamente,
Fosse tarde ou pontualmente.

3

Na cabeça ou em mil gatilhos,
Escondida nas cinzas dos ninhos,
Lá desfeita em mil pedacinhos.

Quando lá morreu, nem sequer chorou,
Num campo de batalha se deitou,
Pelo orgulho e dor aguardou. 


A noite já não me diz o que dizia
Agora fala-me de outro modo.
Não se senta a pensar comigo,
Não se faz ouvir 
nos cabos de eletricidade 
que serpenteiam arrítmicos.
Não chega cedo nem atrasada,
Inoportuna ou de surpresa.
(Há vezes que chega e nem dou por ela).
Não tem espaço para escrever,
Vem cheia de rabiscos confusos,
frases incompletas e ideias finitas.

Costumava encher a noite de palavras,
Agora só quero dormir.
Costumava pintar o manto negro noturno,
Agora tapo-me com ele.

Só chega para me dizer que o dia acabou.
E que isso não significa nada.
Acabou e amanhã há outro.
Boa noite.

Ainda não encontrei a minha vontade

De me ficar neste país
Onde fatiam os sonhos à metade
E os vendem por aí.

Quando voltei, caí
Ai caí e nem sequer vivi
Quando voltei, caí 
Ai cai e nem percebi

Estou cansado de estar cansado
Numa viagem que não acaba
Nem me queixo e aqui trabalho
Mas já só quero ir para casa

Quando caí, voei
Ai voei e nem sequer pensei
Quando caí, voei
Foi tão bom até que acordei