Viagens de Agosto - Memórias de Inverno




Eu era jovem e cheio de mundos dentro de mim.
Quando voltávamos a Lisboa,
Brilhava a noite pintada no calor de Verão –
Assento de trás no carro, com a cabeça num lugar secreto.

Ao meu lado, uma vida irmã num outro mundo qualquer,
À minha frente, as férteis forças que aqui me trouxeram.

O carro corria sempre como cavalos desde o Sul,
Cavalgávamos de volta a casa,
Com a bagagem carregada de poesia de agosto –
Histórias de calor e sal.

Eu debruçava-me pela janela fechada,
Dizendo que sim a todos os meus sonhos
E imaginando-me num outro palco da vida.

Eram viagens do Algarve a Lisboa,
Mas eu viajava por séculos e hectáres –
Alérgico à realidade, magnetizado à alma do mundo.

Escassas foram as vezes que estive presente naquele carro.
Cambaleando entre dimensões que criava ao mirar o céu dourado alentejano,
Enquanto eu explorava as possibilidades dos cantos da minha mente.

Escassas foram as vezes que estive presente naquele carro.
Dormente, ansiava pelo momento em que rompessemos por Lisboa dentro,
Por mergulhar na ponte vermelha no climax duma música que carregava no ouvido.

Escassas foram as vezes que estive presente naquele carro.
Mas hoje sento-me em autocarros, rumo a algo de que não estou certo,
E sonho que estou a sonhar acordado, a voar na ponte sobre o tejo.